- Oliver Sacks - O que as alucinações revelam sobre nossas mentes:
Nós vemos com os olhos, mas também vemos com o cérebro. E ver com o cérebro é muitas vezes apelidado de imaginação. Conhecemos as paisagens da nossa própria imaginação, as nossas paisagens interiores. Vivemos com elas toda a vida. Mas também há as alucinações. As alucinações são totalmente diferentes. Não parecem ser criadas por nós. Não parecem estar sob o nosso controlo. Parecem vir do exterior, parecem imitar a percepção. Por isso, vou falar de alucinações e de uma espécie específica de alucinação visual que observo em muitos dos meus pacientes.
Há uns meses, recebi um telefonema de uma casa de repouso onde trabalho. Disseram-me que uma das residentes, uma senhora nonagenária, estava "vendo" coisas. Pensavam que ela tinha enlouquecido ou, talvez por ser uma senhora idosa, que talvez tivesse sofrido um AVC, ou a doença de Alzheimer. Por isso, pediram-me para ir lá e observar a Rosalie, a senhora idosa. Eu fui vê-la. A primeira coisa evidente era que ela estava perfeitamente saudável,lúcida e com excelente raciocínio. Mas estava muito agitada e muito confusa porque ela andava a "ver" coisas. E disse-me — as enfermeiras não o tinham referido — que era cega, que cegara completamente,de degeneração da mácula, cinco anos antes. Mas agora, nos últimos dias, ela "via" coisas. Então perguntei-lhe: "Que gênero de coisas?" E ela respondeu: "Pessoas com trajes orientais, "vestes drapeadas, a subir e a descer escadas. "Um homem que se volta para mim e sorri. "Mas tem dentes enormes num dos lados da boca. "Também vejo animais. "Vejo um edifício branco. Está nevando nevando levemente. "Vejo um cavalo,com arreios,a limpar a neve. "Uma noite, o cenário muda. "Vejo gatos e cães a andar na minha direção. "Chegam a um determinado ponto e param. "Depois muda tudo de novo. "Vejo muitas crianças. Elas sobem e descem escadas. "Usam cores claras, cor-de-rosa e azul "como as roupas orientais." Às vezes, antes de aparecerem pessoas, "eu podia ter alucinações de quadrados rosas e azuis no chão, "que pareciam chegar ao teto". Perguntei: "E é parecido com um sonho?" E ela respondeu: "Não, não é um sonho. É como um filme." Ela afirmou: "Tem cor. Tem movimento. "Mas é completamente silencioso,como um filme mudo." E acrescentou que era um filme muito aborrecido. Disse: "Todas aquelas pessoas com roupas orientais, "a subir e a descer, é muito repetitivo,muito limitado."
Ela tem sentido de humor. Ela sabia que era uma alucinação. Mas estava com medo. Tinha 95 anos e nunca tinha tido uma alucinação. Afirmou que as alucinações não estavam relacionadas com nada que pensasse,sentisse ou fizesse. Pareciam aparecer ou desaparecer por si mesmas. Não tinha controlo sobre elas. Disse que não reconhecia nenhuma das pessoas ou lugares das alucinações. E nenhuma das pessoas ou animais, parecia aperceber-se dela. Ela não sabia o que se estava a passar. Perguntava-se se estaria a enlouquecer,ou a perder a razão. Eu examinei-a cuidadosamente. Era uma senhora notável. Perfeitamente sã. Não tinha problemas médicos. Não tomava nenhuma medicação que provocasse alucinações.Mas era cega. Então disse-lhe: "Acho que sei o que a senhora tem. "Há uma forma especial de alucinação visual que pode acontecer com a deterioração da visão, ou a cegueira."Isto foi descrito pela primeira vez,"em meados do século XVIII, "por um homem chamado Charles Bonnet. "A senhora tem a síndrome de Charles Bonnet. "Não há nada de errado com o seu cérebro. "A senhora tem a síndrome de Charles Bonnet." Ela ficou muito aliviada com isso,que não se passava nada de grave,e também ficou muito curiosa. Perguntou: "Quem é esse Charles Bonnet?" E acrescentou: "Ele também tinha isto? "Diga a todas as enfermeiras "que eu tenho a síndrome de Charles Bonnet. "Não estou louca. Não estou demente. Eu tenho a síndrome de Charles Bonnet." Então, fui contar às enfermeiras.
Para mim, isto é uma situação comum. Trabalho sobretudo em lares de idosos. Lido com muita gente idosa com dificuldades auditivas ou dificuldades visuais. Cerca de 10% das pessoas com dificuldades auditivas têm alucinações musicais. E cerca de 10% das pessoas com dificuldades visuais têm alucinações visuais. Não é necessário ser completamente cego, basta ter dificuldades visuais.
Segundo a primeira descrição feita no século XVIII, Charles Bonnet não as tinha. O avô dele sofria dessas alucinações. O seu avô era magistrado e um homem idoso. Foi operado de cataratas. A sua visão era muito fraca. E em 1759 descreveu ao seu neto várias coisas que via. A primeira coisa que ele disse que via era um lenço no meio do ar. Era um grande lenço azul com quatro círculos cor de laranja. E ele sabia que era uma alucinação.Os lenços não andam no meio do ar. Depois, viu uma grande roda no meio do ar. Mas às vezes ele não tinha a certeza se estava com alucinações ou não, porque as alucinações coincidiam com o contexto das visões.
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