- Engolir sapo - Origens da expressão à parte, quem vive engolindo sapos sofre muito.
Apesar de muito longe na História, o dilema enfrentado por Giordano Bruno e Galileu se mantém atual. Mesmo sem correr o risco de acabar na fogueira, continuamos a enfrentar a questão: defender nossas posições com unhas e dentes, sem temer as consequências, ou... engolir sapo.
"Engolir sapo significa tolerar coisas ou situações desagradáveis sem responder, por incapacidade ou conveniência", diz o escritor e professor Ari Riboldi, autor do livro O Bode Expiatório (editora Age), no qual explica a origem de palavras, expressões e ditados populares com nomes de animais. Segundo ele, uma das possíveis versões sobre a gênese da expressão viria do texto bíblico. De acordo com a tradição judaico-cristã, o deus Javé enviou dez pragas sobre o faraó e o povo do Egito, pelas mãos de Moisés. A finalidade era convencer o faraó a libertar o povo hebreu, escravo no Egito, permitindo que ele partisse para a nova terra sob o comando de Moisés. O episódio das pragas faz parte dos capítulos 7º a 12º do Êxodo, livro do Antigo Testamento - a segunda praga, a infestação de rãs, é narrada no capítulo 8º. Elas tomaram conta das casas, quartos, leitos, pratos e de todos os ambientes habitados pelo faraó e pelos egípcios. Ao morrerem, ficaram aos montes infestando os locais e causando doenças. "O texto bíblico menciona rãs e não sapos, mas trata-se apenas de uma versão", diz Riboldi.
- O bonzinho
Depois vem aquela sensação de impotência e frustração por não conseguir expressar os sentimentos, por achar que tem sempre alguém determinando o que deve ser feito. E lá ficamos nós, nos sentindo incompreendidos e manipulados, remoendo uma mistura de raiva e culpa enquanto pensamos no que deveríamos ter dito no momento que já passou. Como consequência, nossa autoestima e confiança despencam no mesmo ritmo com que perdemos o respeito dos outros, que passam a não nos levar mais em conta.
Muitas vezes, o engolidor de sapos se esconde atrás da figura do bonzinho, aquele sujeito sempre preocupado em agradar - para ser aceito e querido. "Ele usa uma linguagem extremamente cuidadosa, porém é violento consigo mesmo, pois cede seus direitos em prol do outro", diz Vera. Na verdade, as atitudes do bonzinho são alimentadas por uma expectativa de reciprocidade: ele se posiciona passivamente na situação, sendo agradável e condescendente, esperando que o outro também faça o mesmo. Quando isso não acontece, a raiva aparece.
- Corpo e mente
"A raiva é uma das emoções que as pessoas têm mais dificuldade de manifestar. Muitos enterram a agressividade durante anos e têm pavor do que pode acontecer, caso resolvam desabafar. Acham que qualquer demonstração desse sentimento vai magoar os outros", afirmam Robert Alberti e Michael Emmons no livro Como se Tornar mais Confiante e Assertivo (editora Sextante).
"Engolir sapo é o mesmo que engolir a raiva, uma emoção protetora que nos avisa quando algo está errado. E ela estimula à ação. O estrago físico, emocional e mental de quem não põe isso para fora é arrasador com o passar do tempo, favorecendo diversas doenças", diz Vera. É o que também adverte o psiquiatra e psicanalista Ricardo Almeida Prado, do programa de atendimento e estudos de somatização da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Todo fenômeno que se passa com o ser humano é psicossomático, porque a psique está todo o tempo presente." Segundo ele, existem algumas doenças em que essa correlação se torna mais evidente, como alergias, asma brônquica, dermatites, síndrome do intestino irritável e fibromialgia. No entanto, ainda são poucas as pessoas que percebem essa associação. "Às vezes você sai de uma reunião com uma enorme dor de cabeça, termina um almoço com muita dor de estômago e não percebe que isso está associado ao fato de não ter se posicionado como gostaria. Quando chega em casa, pensa em tudo o que deveria ter falado e não teve coragem naquele momento. E se sente muito mal por isso", diz Denise Gimenez Ramos, psicóloga e professora titular do programa de pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP.
Essa separação entre corpo e mente vem do Iluminismo. E, se por um lado permitiu um grande desenvolvimento tecnológico e científico, nos deixou como herança a dificuldade de relacionar os problemas de saúde com nossa própria história. "É muito mais fácil pensar que a doença é gerada por um problema físico, porque é como se a gente não tivesse nada a ver com aquilo. Se você pensar que ela tem uma origem psíquica, vai ter que pensar no quanto está implicado, em qual é sua responsabilidade", afirma Prado.
- Que tal dizer não?
Ter um comportamento não-assertivo é sinônimo de engolir alguma coisa que não queremos, que alguém nos empurra goela abaixo. Mas por que permitimos, sem nos posicionar? Por medo. Não reagimos por receio da reprovação, da crítica. "As pessoas têm a fantasia de que se disserem ‘não’ vão perder o amor do outro. Isso é muito destrutivo, ela acaba expiando o sentimento de culpa na posição de submissão. Quando, na verdade, é o contrário: ao se posicionar, o outro percebe que existe uma pessoa, com opiniões próprias, que precisa ser considerada", diz Ricardo Prado.
Claro que, muitas vezes, é difícil ser assertivo no trabalho, por exemplo. O medo de represálias e até de perder o emprego pode falar mais alto. Sim, dentro de uma empresa existe uma hierarquia e regras que precisam ser respeitadas. Mas qual o limite disso? Como estar submetido a um determinado sistema sem perder a identidade, sem deixar de ser a pessoa que você deseja? "O assertivo avalia cada situação e decide se vale a pena se posicionar. Ele não engole sapos e sim recua estrategicamente, sentindo-se confortável na situação", afirma Vera.
Quem atura muita coisa calado acaba sendo agressivo em algum momento. Pessoas passivas no trabalho podem ser agressivas em casa, descarregando a raiva nos filhos, na mãe ou no companheiro porque se sentem mais seguras. Mesmo explodindo, acreditam que vão continuar sendo amadas. Quem recebe a agressão deve evitar reagir do mesmo jeito.
"Senão vira uma guerra para ver quem humilha mais, quem pode mais. A atitude saudável é apontar para o outro a agressão e não devolver na mesma moeda", diz a psicóloga Denise Ramos.
- O responsável é você
Também é preciso deixar de sentir culpa. Você não é culpado e sim responsável pelo que acontece em sua vida. Ninguém tem a obrigação de ler seus pensamentos se você não se posiciona. Ninguém vai adivinhar seus sentimentos enquanto você não se manifestar. Para ser assertivo é preciso, antes de mais nada, reconhecer que muitos sapos já foram engolidos. Mas talvez ajude olhar para eles de outra maneira. "Essa coisa de ver o sapo como um animal sujo, nojento, é muito do nosso país. Há lugares onde eles são adorados. Na cultura oriental, por exemplo, são tidos como portadores de boa sorte e fortuna", afirma Célio Haddad, especialista em anfíbios e professor titular do departamento de zoologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp/Rio Claro). Ele também lembra que na pele dos anfíbios existem muitas substâncias alucinógenas. "Essa é a raiz da lenda da princesa. Se você ‘beijar’ um sapo, entrar em contato com sua pele, depois de 5 minutos pode realmente ver um príncipe na sua frente."
Que tal firmar um compromisso? Beije cada sapo que aparecer no caminho e transforme-o em um príncipe. Para cada sim dito contra a vontade, diga um não. Para cada desaforo que levar para casa, exponha suas opiniões. Assim, de sapo em sapo, você estará aprendendo a ser assertivo. Não é fácil. Mas certamente é bem menos indigesto.
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- Como Ser Confiante