- Em 2009, minha mãe ficou viúva e foi morar sozinha em um sítio em Jarinu (SP).
O tempo passou, e eu e meus três irmãos percebemos que ela corria muito riscos estando longe da família. Em 2011, ela foi morar com o meu irmão, em São Paulo. Mas, em 2013, ela teve um AVC. Aos 77, ela perdeu a mobilidade do lado direito e passou a depender de alguém para tudo, embora esteja lúcida. Quando isso aconteceu, não perguntei a ninguém o que deveria ser feito –nem para o meu marido. Apenas a levei para a minha casa. Parei de trabalhar para me dedicar inteiramente a ela. A rotina de cuidados é muito intensa. Por um ano, não aceitei ajuda. Mas meu casamento começou a dar sinais de que não aguentaria. Meu marido foi muito parceiro, mas a responsabilidade que eu tinha era tão grande, que eu só queria dormir no pouco tempo livre que sobrava. Percebi que não estava mais vivendo. Reuni meus irmãos e decidimos contratar um cuidador para ficar com ela, na minha casa, durante o dia. À noite, eu assumo. Aos finais de semana, os meus irmãos se revezam para ficar ela. Cuidar dos pais exige uma entrega emocional muito grande, mas, hoje, eu sei o que minha mãe quer só pelo olhar ou o sorriso dela”. Judite Teixeira de Souza, 58 anos, filha de Ruth Teixeira de Souza, 81 anos.
Entre os desafios da vida adulta, assistir ao envelhecimento dos pais é um dos mais dolorosos para os filhos. Às vezes, a idade significa a perda gradativa da saúde física e mental. Quando o pai ou a mãe fica sem companhia, a situação se complica. E é inevitável o impasse: como atender às necessidades do idoso, sem alterar drasticamente a rotina dele e a sua?
Levar o pai ou a mãe para a própria casa parece a alternativa mais correta, afinal, é a hora de retribuir a quem se dedicou a você a vida inteira. Certo? Em partes. “A chegada de um idoso em casa provoca mudanças em toda a família, que nem sempre está preparada, tanto em termos financeiros quanto psicológicos”, explica a psicóloga Márcia Bastos Miranda, mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Pode acontecer de os familiares não poderem deixar de trabalhar para ficar com idoso em tempo integral ou, ainda, de não haver espaço em casa. Crianças muito pequenas, que já demandam atenção constante dos pais, também podem ser um impeditivo para a chegada de mais uma pessoa necessitando de cuidados.
“A junção dá certo em famílias que estejam dispostas a reorganizar a rotina para cuidar do ente querido. Até uma reforma na casa pode ser necessária para acomodar o idoso, mas depende da saúde dele”, explica a psicóloga. “É um processo que exige muita paciência dos filhos, porque o idoso, que já foi uma pessoa independente, pode reagir com agressividade, intolerância e resistência ao perceber que, agora, depende dos outros”, diz a psicóloga.
E não se trata de apenas separar um quarto da casa para um dos pais, mas de fornecer atenção e carinho para que ele se sinta acolhido e à vontade no novo ambiente. Isso significa fazer as refeições em horários convenientes para ele, desacelerar a vida social e, talvez o maior desafio de todos, se acostumar com perda de privacidade na própria casa.
- O passado importa
A qualidade da relação entre pais e filhos nessa fase vai depender do que construíram antes. “Se a família possui laços familiares com o idoso, cultivados ao longo da vida, é possível que fique mais fácil lidar com a entrada dele na rotina familiar”, diz a psicóloga Renata Bento, perita em Vara de Família no Rio de Janeiro.
Porém, em alguns contextos, ter que cuidar do pai ou da mãe é uma tarefa bastante complexa. “Filhos que tiveram pais ausentes, ou menos afetuosos, podem experimentar sentimentos conflitantes”, diz Renata.
- Sentir culpa é humano
O sentimento pode aparecer ao se dar conta de que não conseguirá transformar a rotina para receber o idoso em casa. Mas pode ser contornado com um planejamento bom para ambos os lados --ninguém ganha quando a chegada do idoso causa apenas atritos.
Em geral, manter o idoso na própria casa é a melhor saída, porque o ambiente familiar lhe parecerá mais seguro e agradável. Mas isso demandará uma rede de cooperação entre filhos, noras, genros e netos, já que se trata de um trabalho desgastante.
Sem disponibilidade de tempo, e com reserva financeira, a alternativa é contratar um profissional treinado para o atendimento a idosos, que estará ao lado do familiar dia e noite. Se o cuidador tiver formação técnica em enfermagem, poderá zelar também pela saúde dele. Ainda que não faça as vezes de um médico, ele será capaz de analisar as reações do paciente, no dia a dia, indicando quando é o momento de solicitar a ajuda do profissional.
Por outro lado, mesmo delegando o cuidado diário com o idoso a um terceiro, o filho deve procurar dedicar parte do seu tempo ao pai. “É importante que o idoso receba visitas regulares, de preferência diárias, mesmo que por pouco tempo, para sentir-se menos desamparado. Nessa fase, o sentimento de solidão pode tornar-se mais evidente e favorecer o adoecimento emocional”, diz Márcia Bastos Miranda.
É essencial e respeitoso perguntar a opinião do idoso, sobre como ele se sentiria melhor. Os mais velhos, como qualquer um, têm desejos, preferências e sonhos. Dentro do possível e do que for seguro para eles, é importante que suas vontades sejam respeitadas e atendidas.
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