terça-feira, 27 de outubro de 2015

Favelas brasileiras e o desperdício de talentos


  • As favelas começaram a surgir no final do século 19 com as habitações precárias erguidas em morros e cortiços do Rio de Janeiro, então capital do País. Isso porque "a abolição dos escravos sem uma política de distribuição de terras e o fim de conflitos como as guerras do Paraguai e de Canudos" criaram demandas por moradias populares (Folha de S.Paulo, 7/1/06).
O nome favela, contudo, veio do sertão nordestino. Em 1897, quando antigos combatentes da guerra de Canudos se instalaram no morro da Providência, no Rio, o lugar passou a ser chamado "morro da favella" por causa do morro com este nome que ficava perto de Canudos. A partir de 1920, a palavra favela virou sinônimo de habitações populares em morros.
Em novembro de 2003, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou uma pesquisa mostrando que o crescimento das favelas era o principal ponto divulgado porque elas eram cada vez mais comuns e com um número de habitantes sempre crescente.
De acordo com o estudo do IBGE, 70% das favelas estavam nos 32 maiores municípios (com mais de 500 mil habitantes) do País. No total, 2.362.708 domicílios ficavam em áreas de favela de todo o Brasil: "e estes são apenas os cadastrados pelas prefeituras. Isso quer dizer que são mais de dois milhões de casas instaladas, na sua maioria, de forma inadequada e em áreas não raro desprovidas de serviços públicos básicos" (Rets - Revista do Terceiro Setor, 14/11/03).
E o problema não é apenas brasileiro: segundo a ONU, até 2030, o número de pessoas vivendo em favelas no mundo todo vai dobrar e baterá a casa de 2 bilhões de indivíduos, conforme a mesma Rets.
Não é preciso ser autoridade no assunto para concluir que, nascida por ação direta de pessoas menos favorecidas, com o passar do tempo e o aumento do número dos que a habitavam, a favela virou sinônimo de todo o tipo de exclusão e preconceito. Por não disporem nem de saneamento nem de outras melhorias básicas, seus moradores foram incluídos, de forma injusta e generalizada, na categoria de vagabundos e criminosos.
É certo que muitos marginais ali se abrigaram, mas ignorar que em meio a tanta miséria existem pessoas dignas, lutando dentro da mais estrita ordem para sobreviver, é uma tremenda injustiça. Por saberem que a simples menção da favela como endereço pode ser o fim de qualquer chance, tais pessoas se veem num labirinto sem saída, ficando impedidas de tentar caminhos que as levem a mudanças.
A matéria da Folha a respeito das favelas parte de três livros: "A Invenção da Favela" (editora FGV), de Licia Valladares, "Favelas Cariocas" (editora Contraponto), de Maria Lais da Silva, e "Favela, Alegria e Dor na Cidade" (Senac Rio e X Brasil), de Jailson de Souza e Silva e Jorge Luiz Barbosa. E o título da matéria diz tudo: "Três estudos derrubam mitos sobre favelas".
Maria Lais da Silva ("Favelas Cariocas") mostra que "a mais emblemática favela da zona sul do Rio, a Rocinha, não surgiu de uma invasão, mas de um loteamento autorizado pela prefeitura que se expandiu fora da legalidade por causa da demora na regularização. 'Boa parte das favelas eram ocupações autorizadas e não nasceram ilegais. O crescimento delas acompanhou os processos de expansão da cidade', diz ela".
Segundo a matéria, "O geógrafo Jailson Silva ('Favela, Alegria e Dor na Cidade') lembra que a visão da favela como mão-de-obra barata para o crime é outro desses mitos usados pela esquerda e pela direita. 'A gente ouve muito que é preciso ter programas sociais para que o jovem não se torne um criminoso, mas raramente se diz que ele tem direito a esses programas. É um juízo disseminado de que temos que oferecer oportunidades apenas para conter a violência'".
E mais à frente, chega-se ao ponto principal. Para Jailson Silva, "As favelas são sempre definidas a partir do que não têm. É o local da pobreza, da falta de perspectiva. É preciso construir um novo olhar a partir do paradigma da presença, ou seja, do que a favela tem". E a matéria conclui: "Um olhar a partir desse paradigma mostra, por exemplo, que Rocinha, Maré e Alemão têm indicadores de alfabetização, água, luz e esgoto melhores do que a média do Nordeste. Prova de que, como defendem os livros, as questões sobre as favelas são mais complexas do que supõe o senso comum".
Isso deve bastar para que, em vez de nos preocuparmos em apenas criar programas de assistência para essas pessoas, deveríamos dar-lhes empregos, escolas, condições, enfim, para desenvolverem suas potencialidades e contribuírem para o desenvolvimento do país.

  • por Educação Uol