- Segundo especialistas do Hospital das Clínicas (SP), 10% do total de internautas brasileiros já foram diagnosticados com um vício real: a dependência de tecnologia.
Eles confundem dependência com tempo de conexão. Não é o tempo que passa conectado, mas a perda de controle sobre tecnologia que define um dependente”
Um estudo da Flurry, consultoria do Yahoo, apontou que há 280 milhões de “viciados” em aplicativos para celular no mundo, mas não tem base médica. No entanto, muitos brasileiros, 10% do total de internautas segundo especialistas do Hospital das Clínicas (SP), já foram diagnosticados com um vício real: é a dependência de tecnologia, que faz suas vítimas passarem até 12 horas conectadas e, quando estão off-line, tremerem, suarem, terem taquicardia e, em casos extremos, chegarem até a tentar suicídio. O G1 conversou com alguns deles e especialistas na área.
“Eu fui tendo vários ataques de pânico em diversos momentos: dormindo, dirigindo, pilotando moto e até mergulhando, cara”, diz o despachante M.A*, de 42 anos, que passou dez anos se tratando esporadicamente com ansiolíticos (drogas para avaliar a tensão) até descobrir, em dezembro do ano passado, que um dos gatilhos para os ataques era a ansiedade por não estar conectado. “Eu vi que um dos grandes vetores da minha ansiedade era a tecnologia.”
Ele teve contato com a tecnologia aos 16 anos, na década de 80. A partir daí, novidades já aposentadas, como o Orkut, e outras em atividade, como o Instagram, entravam em sua vida assim que lançadas e logo se tornavam um vício.
“As pessoas confundem dependência com tempo de conexão. Não é o tempo que você passa conectado, mas o nível de perda de controle sobre a tecnologia que define um dependente”, explica Eduardo Guedes, pesquisador e diretor do Instituto Delete, organização que trata dependentes em tecnologia e é da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No estudo da Flurry, por exemplo, "viciado" é aquele que abre um aplicativo mais de 60 vezes por dia. (FRASE-VICIADOS EM TECNOLOGIA)
“Eu ficava depois do expediente para usar a internet. Já fiquei preso no escritório por causa disso”, disse. Apaixonado por fotos, M.A. possui uma conta no Instagram com mais de 2,5 mil publicações, média de mais de três imagens por dia. A fissura era tanta que quando viajava para seu sítio, passava até três horas editando fotos. Como o lugar está fora da área de cobertura da rede de celular, M.A. abandonava a esposa e caminhava até o alto de um morro para conseguir conexão e publicar as imagens.
“A pessoa não percebe que a necessidade de estar conectado é cada vez maior e, para obter o mesmo prazer, ela tem que usar cada vez mais. É como se fosse uma droga”, explica a psicóloga Sylvia von Enck, do núcleo de dependência tecnológica do Hospital das Clínicas. “Na medida em que a pessoa não consegue controlar esses impulsos na busca do prazer, ela vai aumentando esses estímulos.”
Por isso, explica, a dependência tecnológica é considerada um dos transtornos do controle dos impulsos, assim como a cleptomania (furtar compulsivamente), piromania (prazer em atear fogo) e tricotilomania (arrancar os cabelos).
- Falta de controle com apps e games
“No caso de uma substância química, existem elementos que interferem no funcionamento neurológico. Mas, no caso da internet, a pessoa libera hormônios que geram prazer e, com isso, fica de alguma forma aliviada quando passa muito tempo conectada, jogando ou em alguma atividade que a retire de um momento de desprazer, angústia e depressão”, diz van Enck.
- Sem internet = abstinência
Sem ter protagonizado casos de violência, M.A. conviveu com o vício sem saber durante dez anos e só passou a se tratar no Instituto Delete após ser aconselhado por um amigo. Já o arquiteto B.R., de 29 anos procurou “o centro sem ter ideia do que estava acontecendo” em 2014, logo após ter uma crise de ansiedade enquanto assistia TV com a família.
- Lidando com o transtorno
A psicóloga do HC diz, no entanto, que os pacientes nessa condição sempre terão de ficar alertas. “É uma ‘alta’”, afirma, dita assim mesmo entre aspas, pois “às vezes, acontecem situações em que a pessoa acaba reincidindo, volta a apresentar os comportamentos compulsivos.”
*Os nomes dos dependentes em tecnologia foram suprimidos pela reportagem a pedido deles para preservar a privacidade dos entrevistados
- Use a tecnologia com moderação, alerta médica
“As pessoas ficam dentro delas mesmas, sem amigos, sem compartilhar momentos. Isso pode ser um problema”.
A pediatra lembra que o alerta também vale para as crianças.
- G1 - Tecnologia e Games